sábado, 12 de outubro de 2013

Gravidade


Gravidade é um filme de naufrágio que se passa no espaço. Dois astronautas, o veterano piloto Matt Kowalsky (George Clooney) e a médica novata Ryan Stone (Sandra Bullock), lutam pela sobrevivência depois de serem atingidos por destroços de um satélite russo, repetindo a velha dinâmica "homem versus natureza". O que chama atenção no filme do diretor e roteirista Alfonso Cuarón é o número de recursos técnicos e de linguagem presentes, com a ausência de gravidade permitindo ao talentoso cineasta uma série de liberdades que são usadas de forma espetacular.

Cuarón já havia demonstrado talento e ousadia em seu filme anterior, o ótimo Filhos da Esperança, lançado no longínquo ano de 2006: um longa repleta de tomadas criativas e planos sequência que chegavam a passar de vinte minutos. Mas em Gravidade ele eleva essa ousadia a um novo patamar - o filme pode ser resumido a uma sequência de planos sem cortes aparentes, todos longuíssimos. Mas isso, surpreendentemente, está longe de tornar o filme enfadonho ou tedioso: Cuarón mantém sempre a câmera em movimento, como se ela estivesse flutuando no espaço, em um ritmo que varia do calmo ao frenético. Isso permite com que ele mude o eixo de filmagem, faça piruetas e entre na visão de seus personagens - há até um "plano sequência-subjetivo". Um show de técnica que faz com que Gravidade seja uma mistura curiosa de blockbuster com filme experimental.

O que também transforma o longa em um espetáculo é o seu grau de realismo. Respeitando as leis da física e usando-as como parte fundamental de sua narrativa, Gravidade se engrandece como suspense exatamente porque tudo que vemos na tela é possível. Esse grau de realidade é auxiliado pela fotografia magistral de Emmanuel Lubezki e pelo trabalho brilhante da equipe de efeitos visuais, que dão vida à Terra e ao espaço criados inteiramente no computador: as luzes das cidades à noite, a aurora boreal esverdeada, o brilho ofuscante do Sol são alguns dos elementos que surgem em seus mínimos detalhes. Já o uso do 3D é um dos mais eficazes já realizados, aumentando a imersão do espectador, além de demonstrar a grandiosidade do espaço em relação aos astronautas e até às estações espaciais, que surgem como pequenos objetos flutuantes na imensidão do universo.



Entretanto, o ponto alto do filme, ao menos tecnicamente, é o seu design de som. Seja nos barulhos abafados dentro do traje dos astronautas, na respiração ofegante e no coração acelerado da protagonista, todo elemento é cuidadosamente integrado à narrativa. Mas é o silêncio absoluto do vácuo que impressiona mais: numa época em que os filmes de ação investem cada vez mais em efeitos sonoros barulhentos e explosões grandiosas, a destruição silenciosa de Gravidade é poderosa e assustadora.

Todo esse cuidado técnico seria em vão se o filme não conseguisse atingir o mesmo sucesso emocionalmente. Mas aí entra o talento de Cuarón também como roteirista e a surpreendente atuação de Sandra Bullock. O roteiro escrito pelo cineasta junto com seu filho, Jonás, consegue construir as motivações da protagonista de forma gradual e aposta numa relação de tutor-aprendiz entre a insegura Stone e o experiente Kowalsky. Bullock entrega a melhor atuação de sua carreira, digna de prêmios, segurando o filme em seus momentos mais dramáticos, enquanto que George Clooney esbanja seu já conhecido carisma. O filme também conta com uma pequena participação de Ed Harris, como a voz do operador na Terra - o mesmo papel que fez em Apollo 13, o que não deixa de ser curioso.


Repleto de momentos que chegam a ser poéticos - as lágrimas de Stone flutuando, por exemplo -, Gravidade é um grande espetáculo visual e emocional. E, claro, o filme não deixa de fazer referências pontuais ao maior clássico do gênero, 2001 - Uma Odisseia no Espaço - quando o homem perde controle de suas ferramentas diante da natureza implacável do universo (o parafuso em Gravidade, a caneta em 2001) ou quando Stone assume uma posição fetal, semelhante ao bebê no final de 2001. Com o talento e o domínio da linguagem cinematográfica que Cuarón demonstra possuir, dá para dizer que Stanley Kubrick ficaria orgulhoso em ser lembrado.

Gravity (EUA, 2013). Dirigido por Alfonso Cuarón. Com Sandra Bullock, George Clooney, Ed Harris e Paul Sharma.


Nenhum comentário:

Postar um comentário