sábado, 15 de dezembro de 2012

O Hobbit: Uma Jornada Inesperada



Depois de quase dez anos, voltamos à Terra Média. Ao contrário de nossa viagem inicial, já conhecemos muitas de suas paisagens, raças e costumes. A equipe que nos transporta para o universo criado por J.R.R. Tolkien é praticamente a mesma: o diretor Peter Jackson e suas companheiras roteiristas Philippa Boyens e Fran Walsh. A novidade é a presença do produtor e também roteirista Guillermo Del Toro (que, a princípio, deveria também dirigir o filme). Revemos personagens queridos, como Gandalf, Bilbo e Galadriel, e acompanhamos uma história que expande o universo cinematográfico de O Senhor dos Anéis. Só que, apesar de ser bastante fiel à obra original (talvez até mais que a trilogia original), falta a O Hobbit: Uma Jornada Inesperada a mesma alma e emoção.

O mais provável é que, depois de quebrar recordes de bilheteria e serem imensamente premiados pela crítica, Peter Jackson e seus colaboradores tenham se convencido de que qualquer nova viagem ao universo tolkeniano fosse ter o mesmo tipo de recepção. Talvez por isso, a primeira parte de O Hobbit soe mais como uma versão extendida feita para os fãs do que como uma narrativa sólida. Com um ritmo irregular e elementos que não acrescentam nada à história (acabando até por retardá-la), suas mais de três horas de duração são bastante questionáveis (assim como a ideia de dividir um livro relativamente pequeno em três filmes).

É essa a sensação deixada pelo extenso prólogo e pela introdução do filme, que apresenta a trama principal. Conhecemos Thorin Escudo de Carvalho (Richard Armitage), herdeiro de Erebor, o reino dos anões que foi invadido e ocupado pelo dragão Smaug. Pare recuperar seu antigo lar, Thorin lidera um grupo de 13 anões que, com ajuda do mago Gandalf (Ian McKellen), precisa recrutar um ladrão para conseguir invadir a Montanha Solitária, onde vive o dragão, e recuperar o tesouro de seus antigos habitantes. Assim, chegam ao Condado, onde vive o pacato hobbit Bilbo Bolseiro (Martin Freeman) e tentam convencê-lo a acompanhá-los nessa aventura.

Aqui temos o primeiro grande problema de O Hobbit: Uma Jornada Inesperada: somente para estabelecer sua premissa e apresentar seus principais personagens, o filme leva quase uma hora. Ao contrário de O Senhor dos Anéis, onde o ritmo frenético ajudava a criar um sentido de urgência na narrativa, aqui são incluídas muitas cenas desnecessárias e descartáveis. O diálogo entre o Bilbo e Frodo, por exemplo, pode agradar aos fãs da trilogia original por trazer uma rápida aparição de Elijah Wood, mas não serve em nada ao propósito do longa. O mesmo pode-se dizer das canções: seus momentos são divertidos e até bonitos, mas poderiam muito bem ser cortados e inseridos em uma versão extendida sem prejuízo algum.


Mas não é só isso. Por ser um livro mais leve e infantil, o filme acaba falhando em criar personagens fortes ou uma ameaça grande aos heróis. Aqui não temos Sauron, o Um Anel ou os Nazgûl para manter os protagonistas sempre em alerta. O vilão principal - Smaug - sequer aparece e as ameaças - como os três trolls - são episódicas. A impressão que se tem é que o filme não possui uma estrutura clara, pulando de uma situação para outra de forma brusca e deselegante. Essa sensação aumenta pelo fato do roteiro incluir no filme tramas paralelas, como aquela envolvendo o mago Radagast (Sylvester McCoy) e o necromante. Sim, quem leu o livro sabe que essa subtrama é importante para a história, mas a forma como é realizada acaba servindo mais como distração do que como aprofundamento da narrativa.

Reconhecendo os problemas do roteiro - causados, principalmente, pela ideia de dividir a história em três filmes - Jackson tenta criar um vilão mais palpável na figura do orc Azog. Da mesma forma, cria-se um clímax forçado, culminando num diálogo constrangedor entre Bilbo e Thorin. O anão, aliás, é vivido com energia por Richard Armitrage, mas acaba sendo uma versão empobrecida (e vários centímetros menor) de Aragorn. Os outros anões - à exceção de Balin e Kili - são quase irreconhecíveis em termos de personalidade e a maioria deles não desempenha papel algum na trama. Essa é a grande diferença entre a trilogia Senhor dos Anéis e esta nova: naquela, por mais que não se possa dizer que os personagens fossem bem desenvolvidos, havia uma melhor preocupação dos roteiristas em diferenciá-los e em criar momentos memoráveis para cada um, tornando-os facilmente reconhecíveis e carismáticos.

Não é surpresa, portanto, que o melhor momento de O Hobbit: Uma Jornada Inesperada seja aquele que envolve Bilbo, Gollum (Andy Serkis) e as charadas no escuro, exatamente por envolver o personagem mais complexo da história e retratar um momento chave que teria como consequência os acontecimentos de O Senhor dos Anéis. O trabalho de Serkis e da equipe de efeitos visuais mais uma vez é soberbo. O Gollum de O Hobbit consegue ser ainda mais realista e chamam a atenção suas expressões faciais. É, de longe, o personagem mais carismático e bem trabalhado do longa (apesar de Freeman e, claro, McKellen também entregarem ótimas atuações).


Aliás, tecnicamente, O Hobbit não deixa em nada a dever a O Senhor dos Anéis. Os efeitos visuais são bastante eficientes e os seres digitais, desde os trolls até o rei goblin, passando pelas grandes águias, estão perfeitos em seus mínimos detalhes. O mesmo pode ser dito da maquiagem e figurino dos anões, que conseguem criar diferentes cortes de cabelo, peças de vestuário e detalhes que ajudam a diferenciá-los (por mais que o roteiro falhe em lhes dar personalidade). Já o 3D é eficiente em determinadas cenas e falho em outras, principalmente nas sequências de ação. E a grande novidade prometida pelo filme, os 48 quadros por segundo, servem para dar mais realismo à Terra Média, encantando o espectador. Enquanto isso, o design de produção, apesar das composições brilhantes e singulares, como Valfenda, Erebor e o Condado, traz pouca coisa nova com relação à trilogia original.

É essa falta de novidade, essa sensação de estarmos voltando a um mesmo local, que torna O Hobbit bastante inferior à trilogia Senhor dos Anéis. E o maior culpado por isso é exatamente Peter Jackson. O seu estilo de direção, apostando em tomadas aéreas que acompanham os viajantes, closes e travellings, soam muito como auto-homenagem e só servem para lembrar-nos do quanto essas mesmas técnicas melhor usadas naqueles três filmes do início dos anos 2000. Exemplificando, a sequência que envolve Gandalf e os 13 anões fugindo dos goblins nas cavernas lembra demais aquela que se passa em Moria, em A Sociedade do Anel, mas sem a mesma urgência ou desespero. Até a brilhante trilha sonora de Howard Shore aqui soa repetitiva e dá a sensação de estarmos vendo uma versão mais frágil de uma mesma história.

Sofrendo ainda com um excesso de situações que envolvem o artifício do deus ex machina (papel desempenhado pelas águias e por Gandalf duas vezes), O Hobbit: Uma Jornada Inesperada não pode ser considerado um filme ruim. Longe disso: possui sequências divertidas, boas cenas de ação e expande a fabulosa mitologia de uma série de sucesso. Mas se empalidece bastante diante das comparações feitas com a primeira viagem de Jackson e cia. à Terra Média.

The Hobbit: An Unexpected Journey (EUA, Nova Zelândia; 2012). Dirigido por Peter Jackson. Com Martin Freeman, Ian McKellen, Richard Armitage, Cate Blanchett, Ken Stott, Graham McTavish, William Kircher, James Nesbitt, Stephen Hunter, Dean O'Gorman, Aidan Turner, John Callen, Peter Hambleton, Jed Brophy, Mark Hadlow, Adam Brown, Sylvester McCoy, Hugo Weaving, Christopher Lee, Elijah Wood, Ian Holm, Manu Bennett e Benedict Cumberbatch.

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