quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013


A primeira coisa que se nota assim que se começa a assistir No é a sua fotografia. Gravado em Betacam, o popular videotape, comum nas transmissões televisivas e nos vídeos amadores dos anos 1980 e 90, a escolha estética se revela brilhante para os propósitos e a temática do filme. Primeiro pela imersão na história, fazendo com que todo a narrativa se torne mais realista, quase documental; segundo porque a imagem e os recursos audiovisuais são os temas centrais do longa de Pablo Larraín, que analisa o uso da publicidade e o quanto a mercantilização de valores pode acabar sendo nociva para a sociedade.

O ano é 1988, quando a ditadura do general Pinochet vive seus últimos dias. Buscando legitimidade internacional, o governante impõe um plebiscito onde a população irá decidir se os militares continuam no poder ou se a ditadura chega ao fim. A oposição, a princípio, duvida da confiabilidade daquele pleito, mas decide participar ao perceber a chance do retorno à democracia. O protagonista é René Saavedra (Gael García Bernal), um publicitário talentoso contratado pelos adeptos do 'Não' para tentar convencer a população a votar pelo fim do regime durante os 15 minutos diários que possuem na TV.

A partir daí, o longa não se limita a apenas descrever os acontecimentos (reais) daquela época, mas também discutir o papel central da publicidade seja nas campanhas política e no nosso dia-a-dia. René é retratado como um indivíduo alienado e individualista - um sujeito que, ao ver um comício pelo 'Não' ser interrompido pelas forças policiais, preocupa-se mais com seu carro do que com as pessoas feridas. Vivido de forma corretamente impassível por Bernal, o protagonista é pragmático ao ponto de discutir com seus colegas sobre a inclusão do depoimento de mães que perderam seus filhos na luta contra o governo - algo que emociona a maioria, mas que para René pode prejudicar a causa por não passar a alegria e a felicidade típicas de uma propaganda de margarina.

Essa discussão sobre a comercialização de valores percorre todo o filme. E a conclusão a que o filme chega é bastante pessimista. Não que a obra renegue a importância da publicidade na difusão de ideias e informações, mas vê como um problema a forma como ela o faz. Ao resumir ideais como democracia e liberdade a esquetes de humor e a jingles, a propaganda simplifica questões mais complexas. Não é a toa que, conforme a campanha vai se tornando mais acirrada, tanto o 'Sim' como o 'Não' começam a se atacar e a copiar as estratégias um do outro, empobrecendo o debate. Perde-se a noção de que o que está em jogo é mais do que palavras, produtos ou marcas, mas o futuro político de um país.

Essa dicotomia realidade/ficção atinge até mesmo uma representação metalinguística. Como o filme usa muitos videotapes das propagandas, a sua própria fotografia - a suposta realidade - se mistura com aquela da publicidade. Essa sensação de documentário aumenta pelo fato de vermos os indivíduos que participaram daquele momento político em curtas pontas durante a história. Sabendo disso, Larraín cria elementos que expõem a artificialidade da linguagem, como ao introduzir cortes bruscos e mudanças de locação em alguns diálogos. É como se o diretor dissesse que, apesar de inspirado em fatos, o filme não deixa de ser uma história de ficção, não se confundindo com a própria realidade - e o mesmo valeria para as propagandas vistas na história.

No mostra a influência da propaganda em nossa sociedade, mas não a superestima - depois da vitória do 'Não', vemos um René atônito diante da festa promovida pela população; e aí percebemos que o que moveu de verdade aquelas pessoas a votarem não foi apenas a propaganda, mas algo mais. Ainda assim, o recado final passado pelo longa é pessimista: quando o protagonista apresenta aos seus novos clientes a peça promocional de uma novela, o que ele mostra é uma reportagem jornalística, algo que supostamente deveria representar a realidade e servir ao interesse geral da população e não seguir interesses mercadológicos. No, assim, deixa de ser simplesmente um filme sobre a redemocratização do Chile e se transforma em uma obra bastante atual.

No (Chile, 2012). Dirigido por Pablo Larraín. Com Gael García Bernal, Alfredo Castro, Antonio Zegers, Néstor Cantillana, Luis Gnecco, Jaime Vadell, Marcial Tagle e Pascal Montero.


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