domingo, 20 de janeiro de 2013

Argo


A carreira de Ben Affleck é singular. Depois de ganhar um Oscar de melhor roteiro, junto com seu parceiro - e também ator - Matt Damon, por O Gênio Indomável, em 1998, firmou-se como galã hollywoodiano, estrelando alguns sucessos de bilheteria. Ator bastante limitado, viu sua carreira afundar em trabalhos burocráticos e esquemáticos, chegando ao fundo do poço na primeira metade da década passada. Quando quase ninguém mais levava seu nome a sério, começou a investir na carreira de diretor, na qual até agora, surpreendentemente, mostrou-se muito competente. Argo, seu terceiro filme por trás das câmeras, é o melhor de sua carreira e tem sido apontado como a volta por cima do ator - e agora diretor. Uma típica história de superação que Hollywood tanto ama.

Outro fato que a indústria do cinema adora é afirmar sua importância cultural. E isso explica, em partes, o grande sucesso de Argo nessa temporada de prêmios. O filme se passa no início de 1980, meses depois da revolução islâmica liderada pelo aiatolá Khomeini, que derrubou do poder no Irã o xá Reza Pahlevi. Depois de os EUA darem asilo político ao xá (que sofre com um câncer), a população iraniana, ensandecida e exigindo a volta de seu antigo governante para que seja julgado pelos crimes que cometeu, invade a embaixada americana e promete que só liberará seus funcionários em troca da volta de Pahlevi ao país. Seis destes reféns conseguem escapar; e é aí que entra em ação o agente da CIA Tony Mendez (Affleck), convocado para resgatá-los da casa do embaixador canadense, onde estão refugiados. Mas o plano de resgate é um tanto mirabolante: começar a produção de um filme falso (chamado "Argo") e fingir ir ao Irã em busca de locações, como forma de entrar e sair do país de forma segura e sem chamar atenção das autoridades iranianas.

Mistura de thriller com suspense político, Argo se beneficia da direção segura de Affleck e do ótimo roteiro de Chris Terrio. Isso fica claro nas mudanças de tom que ocorrem durante a narrativa: nas cenas passadas em Los Angeles, a narrativa surge mais leve, quase cômica, em contraponto à tensão vista durante as sequências que envolvem a preparação dos fugitivos e a fuga em si. É preciso louvar, também, o brilhante trabalho de montagem realizado por William Goldenberg, que dá o ritmo certo a todo a história. Chamam a atenção duas sequências: aquela em que as leituras do roteiro do filme e da carta de exigência dos sequestradores são intercaladas; e todo o ato final, da correria dentro do escritório da CIA aos transtornos nos estúdios de Los Angeles, passando, claro, pelas tensas cenas no aeroporto.



Outro ponto alto de Argo é o seu elenco homogêneo. Alan Arkin e John Goodman transformam seus personagens - o produtor (fictício) Lester Siegel e o maquiador (real) John Chambers - em mais do que um alívio cômico, servindo como guias dos percalços pelos quais passam a produção de qualquer filme em Hollywood. Da mesma forma, Bryan Cranston dosa muito bem os momentos de calma e de explosão do chefe de Mendez, Jack O'Donnell. É injusto, portanto, que apenas Arkin esteja sendo reconhecido na temporada de prêmios, com os três coadjuvantes exercendo atuações fundamentais para o sucesso do filme. E até mesmo Affleck atua bem; sua inexpressividade serve ao personagem, um agente secreto que não deve transparecer emoções. Além disso, o ator toma algumas decisões interessantes e sutis, como quando ele olha para cima aliviado depois que os guardas do aeroporto autorizam a passagem da falsa equipe de filmagem, mesmo sem os documentos necessários.

Mas no fundo, o verdadeiro tema de Argo, mais do que a crise iraniana em si, é a forma como o cinema pode resolver problemas unindo povos e culturas. Afinal, foi somente através da farsa cinematográfica que uma tragédia foi evitada. O papel da linguagem audiovisual como peça de propaganda ou como válvula de escape da dura realidade é citado durante o longa, seja durante a já mencionada sequência que alterna a leitura do roteiro com as exigências dos sequestradores, seja no diálogo entre Mendez e o funcionário do Ministério da Cultura iraniano, que afirma apoiar a produção do filme para "melhorar a imagem do país" (é curioso - e confirma ainda mais o aspecto propagandístico do cinema - que o Irã agora comece a financiar um filme em resposta a Argo, dessa vez mostrando os americanos como vilões). E a maior prova de que o cinema é uma arte universal é que até mesmo a truculenta guarda revolucionária do Irã consegue ficar maravilhada apenas ao imaginar um filme que não existe - detalhe que Affleck e Terrio fazem questão de mostrar.

Que Ben Affleck abandone de vez seus papéis de galã inexpressivo e continue fazendo filmes como este, seja na frente ou, principalmente, por trás das câmeras.

Argo (EUA, 2012). Dirigo por Ben Affleck. Com Ben Affleck, Bryan Craston, Alan Arkin, John Goodman, Victor Garber, Tate Donovan, Clea DuVall, Scoot McNairy, Rory Cochrane, Christopher Denham, Kerry Bishé e Sheila Vand.


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